‘São Paulo precisa parar’, dizem especialistas

Por Cecília Araújo
José Carlos de Figueiredo Ferraz, prefeito de São Paulo entre 1971 e 1973, ousou certa vez contradizer o lema da cidade: “São Paulo precisa parar”, ele disse.

Há quase 40 anos, ele previa que o poder municipal não conseguiria acompanhar o ritmo do crescimento urbano, nem a dimensão dos problemas decorrentes dele.

As recentes enchentes que afetam a vida de milhões de pessoas é exemplo disso, acreditam especialistas ouvidos pela revista VEJA.

O arquiteto Nabil Georges Bonduki, professor do departamento de projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), acredita que a principal causa urbanística para as enchentes é a utilização de fundos de vale – regiões mais baixas de um relevo acidentado, por onde escoa a água da chuva – para a construção de vias expressas na cidade.

Segundo ele, no passado, a ligação entre o Centro e a porção sudoeste era feita apenas pelas avenidas de áreas altas – caso das Avenida Augusta, Brigadeiro Luis Antônio e Liberdade e Rua da Consolação. Ao mesmo tempo, os terrenos de fundos de vale permaneciam desocupados.

A partir de 1930, foram feitos os primeiros projetos de abertura desses terrenos para a construção de avenidas como a 23 de Maio e 9 de Julho, colocados em prática na década de 1960. Bonduki relembra que, com o crescimento da circulação dos veículos, a ocupação das várzeas foi considerada uma saída barata para o estabelecimento de grandes vias, pois evitaria grandes desapropriações. “Criou-se uma nova lógica de planejamento urbano. Enquanto não existiam essas vias, as áreas de várzea alagavam, mas não impediam que São Paulo continuasse funcionando. Depois que foram ocupadas, o terreno foi impermeabilizado, e o aumento do volume de carros colaborou ainda mais para o agravamento das enchentes”, explica.

Outro equívoco foi a ocupação do entorno dos terrenos de fundo de vale, com a construção de grandes edifícios. É o caso de encostas íngremes, por onde passavam córregos como o Saracura – por onde hoje passa a Avenida 9 de Julho. “Quando o córrego foi canalizado, fez-se uma galeria fluvial para receber a grande quantidade de água que desce até ela. Porém, as dimensões não são suficientes”, completa Bonduki.

Previsão esquecida – O engenheiro geotécnico Mauro Hernandez Lozano, especialista em mecânica dos solos, afirma que há 50 anos já se podia prever as graves enchentes que ocorrem hoje. “A técnica e os estudos estatísticos já estavam ao alcance de geólogos, engenheiros, arquitetos e urbanistas. Era possível fazer os cálculos de drenagem e antecipar estragos de uma grande chuva que aconteceria dali a 10.000 anos”, conta. Segundo ele, o número de bocas de lobo, galerias, córregos e canalizações, que poderiam dar vazão às chuvas e evitar enchentes, deveriam ter sido melhor calculados.

Outra razão para as enchentes seria a expansão horizontal da cidade, que colabora para a impermeabilização das cabeceiras de rios. As construções nas várzeas dos córregos que vêm das periferias fez aumentar a quantidade de água despejada nos rios Tietê e Pinheiros – mais próximos do Centro. “É preciso evitar que essas áreas sejam ocupadas e garantir que terrenos de proteção ambiental sejam criados”, reforça Bonduki.

De acordo com ele, a situação é alarmante: toda a porção sudoeste da cidade, com exceção das poucas que foram protegidas, passou por um processo de verticalização intenso, e grande parte dos prédios possui garagem no subsolo, o que impermeabiliza toda a área do terreno. “Cavar o subsolo implica em atingir os lençóis freáticos, que sobem bombeando a água das áreas subterrâneas para a rua. Por isso, bairros que nunca alagavam estão alagando, e as regiões oeste e sudoeste têm tido problemas graves”, conta.

Como recuperar – O engenheiro Mauro Lozano explica que, tecnicamente, há recursos para enchentes e deslizamento, mas será um trabalho para gerações. “A menos que haja uma mudança de paradigmas e que as pessoas abandonem as regiões de risco, não há uma solução imediata”, pondera. Para isso, seria preciso transformar o Tietê em um grande ralo – túnel que escoasse toda a água das chuvas e a levasse até o mar. Porém, seria uma solução muito cara e quase inviável.

Uma saída possível seria facilitar a permeabilização e infiltração nas cabeceiras de rios por meio de piscinões, que conseguem capturar a cheia e soltá-la devagar depois das chuvas – o que já vem sendo feito e tem colaborado para atenuar essas enchentes localizadas. “Porém, os piscinões também causam problemas ambientais, devido ao lixo que acumulam e à proliferação de doenças que incentivam”, esclarece. Lozano cita o reflorestamento e a criação de parques, praças e outras áreas verdes em regiões de fundo de várzea ou beira de córregos como forma de amenizar os estragos causados pelas chuvas.

Para Bonduki, outra possibilidade seria instituir a obrigatoriedade de todos os prédios e casas possuírem uma espécie de caixa d’água, que ficasse nas partes baixas do terreno. Ela reteria a água produzida no âmbito daquele lote e retardaria as enchentes durante as chuvas intensas. Para isso, ele argumenta, seria necessário dimensionar os picos mais altos de chuva, para definir o tamanho do tanque. Independentemente da forma, ele alerta que é preciso haver contenção do processo de urbanização nas franjas periféricas da cidade. “Se não houver planejamento, a situação tende a se agravar muito no futuro”, diz.

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2 Comentários

  1. diogo 22 de novembro, 2011
  2. Estelamar 24 de janeiro, 2014

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