Os empresários cariocas Flavio Berman e Tatiana Albuquerque acabam de abrir um shopping.
Mas não se trata de um centro de compras convencional.
Eles não precisaram desembolsar fortunas por um terreno gigantesco num bairro bem localizado, nem esperar anos até a obra ficar pronta. Foi tudo rápido e barato.
O empreendimento de Berman e Tatiana é virtual e foi desenhado para surfar na principal onda da internet do momento, o Facebook, a maior rede social do mundo – ou, como define Tatiana, “o metro quadrado mais valorizado da web”. Sócios da E-like, empresa lançada há cerca de um mês no Rio de Janeiro justamente para desenvolver negócios no site, eles criaram o aplicativo Meu Shopping.
A ferramenta roda no Facebook e já reúne lojas como a Enoteca Fasano, as marcas de roupa Richard’s, Reserva, Maria Bonita Extra, Redley e Cantão.
Além dessas, também estão lá a Pepper, especializada em produtos de utilidade doméstica, e a butique de lingerie Hope. Em breve, a Sack’s, maior loja online de cosméticos do País, pertencente ao grupo francês LVMH, vai iniciar sua operação. “É como comprar em um shopping de verdade, só que com todos os seus amigos ao seu lado”, diz Berman.
O processo de compra é bem simples. Basta “curtir” a página da marca no Facebook e escolher a mercadoria. Toda a transação é feita dentro da própria rede social. A remuneração da E-Like é uma porcentagem, não revelada, recebida a cada transação. Com pouco mais de um mês no ar, o Meu Shopping tem 15 mil usuá-rios cadastrados e mais de dez lojas. O shopping virtual da E-like é um dos tantos exemplos de serviços criados com o objetivo de ganhar dinheiro no Facebook. Em meio às possibilidades de negócios, o comércio eletrônico tomou a dianteira desse processo.
Como se vale da lógica da interação e da troca de recomendações entre os consumidores, algo que o site fundado por Mark Zuckerberg favorece, atividades como a do Meu Shopping se encaixam naquilo que é chamado de comércio social, ou social commerce, que ainda dá os seus primeiros passos.
A rapidez com que cresce, no entanto, impressiona. Novas oportunidades para ganhar dinheiro surgem diariamente. Se você ou sua empresa pretendem aproveitá-las, fiquem atentos. Só para dar uma dimensão, a estimativa é que o comércio social movimente US$ 5 bilhões no mundo, em 2011.
Outras atividades já são realizadas no Facebook. Venda de ingressos para shows, passagens aéreas, vinhos, serviços financeiros, exibição de filmes e músicas. Isso demonstra que, aos poucos, o site se torna uma poderosa plataforma de negócios capaz de atrair empresas de diferentes portes e setores. “O Facebook chegou a um estágio de maturidade que faz sentido tratar a sua base de usuários de uma forma comercial”, disse em entrevista à DINHEIRO o brasileiro Alexandre Hohagen, vice-presidente de vendas do Facebook para a América Latina.
A transformação no perfil dessa rede social, que aos poucos deixa de ser somente um espaço para reunir amigos para ser também mais um canal de negócios, faz parte de uma estratégia traçada pela equipe de Zuckerberg para ampliar as fontes de receita da companhia.
Como se prepara para abrir o capital, no ano que vem, o Facebook tem de obrigatoriamente melhorar seus resultados financeiros, o que passa pela ampliação da verba obtida com publicidade e parcerias com empresas. No caso do Meu Shopping e de muitas outras companhias que vendem produtos e serviços na plataforma, no entanto, o Facebook não recebe nenhum tostão por isso.
Em outras palavras, qualquer empresa pode montar uma loja virtual no site sem pagar nada. Num primeiro momento, a aposta do Facebook para ver seu cofre tilintar com a nova tendência é o aumento na venda de publicidade. O raciocínio é que, para aumentar a exposição e seduzir os usuários, os canais eletrônicos de terceiros deverão veicular mais publicidade. Zuckerberg, paradoxalmente, sempre defendeu que o Facebook não deveria ter pressa em gerar receita. Com a ambição declarada de “conectar todo o mundo”, seu primeiro objetivo foi aumentar a base de usuários. Em agosto de 2009, durante sua única visita ao Brasil até o momento, ele ressaltou a importância do mercado nacional para as suas pretensões. “Não conseguiremos cumprir nossa missão se não fizermos sucesso aqui”, disse na ocasião. O Facebook somava à época 250 milhões de usuários no mundo, a grande maioria deles proveniente dos Estados Unidos e de alguns poucos países na Europa. Por aqui, a distância que o separava do líder das redes sociais no País, o Orkut, que pertence ao Google, era desanimadora.
O Facebook apresentava há dois anos pouco mais de quatro milhões de visitantes no Brasil, de acordo com o Ibope Nielsen Online, que produz o ranking de audiência da web brasileira utilizado como referência no mercado digital. Já o Orkut reinava folgadamente, em 2009, com mais de 27 milhões de usuários. Dois anos depois, porém, o que parecia uma realidade distante aconteceu. A revista DINHEIRO apurou em primeira mão que os números do Ibope do próximo ranking de audiência na internet, a ser divulgado nas próximas semanas, referentes ao mês de agosto deste ano, revelarão que o Facebook desbancou o Orkut e hoje já é a maior rede social do País. Os números exatos ainda não são conhecidos.
O que se sabe é que, segundo medição do instituto, a rede social de Zuckerberg deve registrar cerca de 30 milhões de usuários.
Só para dar uma ideia, os dados referentes a julho registram que o Facebook teve 28,8 milhões de visitantes únicos, ante 29 milhões do Orkut, uma diferença ínfima, que foi tirada em agosto.
Mais: o tempo de permanência dos internautas no Facebook já supera o do Orkut. Sobre a disputa acirrada com o Facebook no mercado nacional, o Google adota um discurso diplomático.
“Isso representa mais opções para o usuário e fomenta a criação de produtos e serviços ainda melhores”, afirma Felix Ximenes, diretor de comunicação e políticas públicas do Google.
Com a nova posição de líder no Brasil, além de se consolidar como o rei das redes sociais no mundo – possui 750 milhões de usuários, cerca de 1/3 da população online do planeta –, o Facebook tem clareza a respeito de seu maior objetivo no momento: transformar-se numa plataforma de negócios capaz de chacoalhar o mercado publicitário, o consumo e o entretenimento. Para pavimentar essa estrada, a empresa mantém sua plataforma aberta para os empreendedores, como os cariocas da E-Like, que podem usá-la sem custo. “Minha missão é mostrar às empresas as possíveis estratégias de negócios que podem ser realizadas dentro do Facebook”, diz Hohagen.
“Também procuro estreitar as relações com as agências de publicidade, trazer mais companhias para a plataforma e buscar parcerias com desenvolvedores, empresas de telefonia móvel e conteúdo.” Para Hohagen, que montou a operação do Google no Brasil e na América Latina e se transferiu para o rival Facebook em fevereiro, o comércio social é uma evolução da presença das empresas dentro do Facebook.
Primeiro, elas criam suas páginas para se relacionar e interagir com seus clientes. “Com o tempo, é natural que busquem vender produtos ou ampliar o alcance de sua marca por meio de anúncios publicitários”, afirma. Foi o que aconteceu com o Magazine Luiza. No caso da rede varejista, no entanto, a estratégia adotada tem algumas peculiaridades. Criada no mês passado, sua loja virtual está no Facebook e também no Orkut. Pelo modelo pensado por Frederico Trajano, diretor de marketing e vendas da varejista e filho da fundadora, Luiza Trajano, os usuários das redes podem montar vitrines, chamadas de Magazine Você, dentro dos seus respectivos perfis, com até 60 produtos.
Os internautas ficam com uma comissão entre 2,5% e 4,5% sobre cada venda. “Os consumidores naturalmente buscam a opinião dos amigos antes de comprar. Adaptamos essa lógica para as redes sociais”, afirma Trajano. Ele compara a operação ao sistema de venda de porta em porta das vendedoras da Avon ou da Natura. “Só que aqui será clique a clique”, afirma. “Esperamos atingir até dez mil lojas no período de nove meses.”
Outro caso recente é o do Mercado Livre, uma das principais empresas de comércio eletrônico do País. A companhia acabou de lançar um aplicativo gratuito que permite às 20 mil lojas virtuais ancoradas em seu espaço eletrônico a integração com o Facebook. Esse recurso está interligado ao MercadoShops, a sua ferramenta para a criação de lojas online. Por meio dele, todos os produtos comercializados nas lojas virtuais desenvolvidas a partir do Mercado-Shops podem ser vistas também no Facebook. “Com esse novo recurso, aumentamos a exposição das lojas, que podem se aproveitar da febre das redes sociais”, diz Helisson Lemos, diretor-geral do Mercado Livre.
Os negócios de empresas por intermédio do Facebook no Brasil aos poucos estão se diversificando. E surpreendendo. Até mesmo ações de companhias com papéis negociados na Bovespa podem ser adquiridas e monitoradas por meio do site.
Um serviço desse tipo, por exemplo, é oferecido por meio de um aplicativo do Invest-Bolsa, home broker da Spinelli Corre-tora de Valores, de São Paulo.
Batizado de FaceBroker InvestBolsa, o programinha demorou seis meses para ser desenvolvido e tem tarifas iguais às do homebroker tradicional. “Pensamos nessa ferramenta ao perceber o crescimento das visitas em nossas redes sociais”, diz Rodrigo Puga, responsável pelo homebroker da corretora. Se para questões ligadas ao mercado financeiro faz todo o sentido a tomada de decisão com apenas alguns cliques, a venda de vinhos pode ser impulsionada pelas recomendações e dicas de usuários.
Foi com base nessa constatação que a empresa capixaba Wine decidiu abraçar o Facebook. Em apenas dois anos, ela se tornou a maior loja de comercialização de vinhos pela internet da América Latina, graças a uma estratégia que mescla venda de garrafas de marcas famosas e grandes descontos. Agora, a empresa levou esse conceito para uma loja virtual própria, a Wine F-Store, montada dentro da maior rede social do mundo. Com mais de 200 mil rótulos disponíveis, os preços variam de R$ 20 a R$ 3 mil.
“A Wine F-Store torna o processo de decisão mais fácil para os clientes, que podem receber indicações dos amigos sobre quais vinhos experimentar”, diz Anselmo Endlich, diretor de TI e marketing da Wine.
Ter opções acessíveis a todos os bolsos também é válido para atrair os clientes corporativos. Basta ver que o Facebook é uma plataforma democrática do ponto de vista econômico, pois não exige altos investimentos de quem deseja realizar negócios no site. Isso quer dizer que operar no site é algo acessível para as pequenas e médias empresas, o que faz alguns fornecedores arregalar os olhos diante desse apetitoso filão de clientes. É o caso da Like Store, empresa paulista especializada em criar lojas virtuais no Facebook.
Em operação há pouco mais de um mês, ela desenvolveu uma ferramenta que permite a qualquer pessoa ou empresa montar sua própria loja no site. “É a democratização do comércio nas redes sociais”, afirma Gabriel Borges, fundador da Like Store. É fácil entender o porquê. Os interessados não pagam nada para abrir sua lojinha. Resumo da ópera: a plataforma da Like Store já trabalha com mais de 1.500 lojas, como a “O ovO”, que vende camisetas, e a Capuleto, de brincos e pingentes. A remuneração da Like Store é de 2% sobre as vendas efetuadas por meio de sua ferramenta.
Diante de um cenário que combina uma quantidade crescente de companhias oferecendo produtos e serviços com um universo gigantesco de usuários, veicular publicidade no site entrou nos planos de agências e anunciantes.
Com um público extremamente diversificado no Facebook, as campanhas publicitárias nessa rede podem alcançar grandes audiências ou serem direcionadas a pequenos nichos de mercado. Para marcas como Gol, Vivo, L’Oréal, Oral B e Guaraná Antártica e Nike, o Facebook pode funcionar como um veículo de massa, de modo semelhante, em certo sentido, à televisão.
“O Facebook é o novo horário nobre para as marcas”, diz Rick Engelberg, diretor global de inovação digital da Nike. Ele esteve diretamente envolvido na campanha mundial Write the Future, em 2010, que foi iniciada pelo Facebook e depois levada para outras mídias. A ação mostrava alguns dos mais famosos jogadores de futebol do mundo fantasiando sobre suas respectivas atuações na Copa do Mundo no ano passado.
Mas dar tiros curtos e certeiros em ações publicitárias é outra opção, especialmente pelo fato de que é possível direcionar as campanhas conforme o perfil de usuário almejado.
Pode-se destinar uma campanha com base em dados como idade, gênero, estado civil, cidade e até interesses específicos, como gostar de filmes de terror. “Começamos a investir recentemente em anúncios e estamos satisfeitos com os resultados”, resume Juliana Cirne, diretora de comunicação da Editora Intrínseca, do Rio de Janeiro.
Por trás de todo o projeto comercial da rede social está Sheryl Sanderberg. Aos 41 anos, ela ocupa a cadeira de diretora de operações e trabalha no Facebook desde o início de 2008, quando deixou o posto de vice-presidente de operações e venda do Google, no qual estruturou todo o sistema de anúncios do portal de buscas.
A estratégia publicitária desenhada por Sheryl e por Zuckerberg para o Facebook é muito similar, por exemplo, à aplicada na televisão, por tentar estimular a demanda e construir marcas. Cerca de 90% do mercado publicitário mundial, que movimenta anualmente mais de US$ 600 bilhões, tem justamente esse foco.
O Facebook mira, portanto, num negócio muito maior do que o explorado pelo Google, que concentra sua atuação publicitária na decisão de compra, ou seja, em anúncios para pessoas que já querem comprar algo. O plano de Sheryl tem dado bons resultados.
Em 2010, a receita do Facebook foi de US$ 1,86 bilhão, segundo a consultoria americana eMarketer. Neste ano, deve alcançar a casa dos US$ 5 bilhões. A expectativa é de que 80% desse valor venha da área de publicidade. Os 20% restantes devem ser obtidos pela área de entretenimento do site.
A receita publicitária é o pilar financeiro do Facebook, mas a empresa não quer ficar tão dependente dessa fonte. Uma das alternativas encontradas para gerar novos recursos é a moeda virtual Créditos, que passou a ser obrigatória, em 1º de junho, nas transações referentes a itens digitais dentro do site.
Dessa forma, o Facebook absorve agora 30% da receita que os desenvolvedores de games obtêm com a venda de bens virtuais, como um trator para um jogo de fazenda.
Os tentáculos comerciais do portal não param por aí.
Mais recentemente, as companhias da área de entretenimento, como os estúdios de cinema americano Warner e Miramax, além da emissora inglesa BBC, começaram a vender e alugar programas e filmes do seu catálogo dentro do Facebook por meio do Créditos, o que equivale a pagar uma comissão ao site.
“Não temos o DNA para ser uma empresa de música ou cinema. Mas esperamos ajudar essas empresas a se tornar mais adaptadas às redes sociais”, disse Zuckerberg.
A ideia central por trás do modelo de negócios desenhado por Mark Zuckerberg e Sheryl é a de que qualquer coisa é mais valiosa para as pessoas quando referendada pelos seus amigos. Não importa se é um produto, um jogo ou uma propaganda. Ao curtir um post ou fazer um elogio, os consumidores passam um recado valioso que pode, em algum momento, se transformar em dinheiro no caixa das empresas.
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